Valor Econômico
21/09/2020

Por André Camargo e Alexei Bonamin

Que possamos, sinceramente, considerar a boa governança um investimento, com ganhos socioambientais

Este ano inaugura a quinta fase da governança corporativa, sistema de regras formais e informais e de mecanismos internos e externos que buscam, em última instância, aprimorar o ambiente de confiança nas organizações junto aos seus stakeholders.

Aos poucos, chegamos à seguinte equação: legalidade mais eficiência mais integridade mais propósito mais intencionalidade é igual a legitimidade. Boas práticas de governança parecem deixar o campo do “custo”, da tática, setorizado, para integrar a matriz estratégica das lideranças empresariais, com desdobramentos transversais, logo, um diferencial de mercado.

Que possamos considerar a boa governança um investimento, com ganhos socioambientais

A primeira fase da governança, com a proliferação dos “códigos de melhores práticas de governança”, a partir do Relatório Cadbury inglês de 1992, trouxe o reconhecimento da importância do tema, valorizando o papel dos conselhos de administração, um mecanismo de “pesos e contrapesos” entre a base acionária (muitas vezes com um alto grau de concentração) e o time de administradores (invariavelmente conflitado, enviesado e limitado em seus processos decisórios), trazendo uma visão mais estratégica, independente e de longo prazo.

A segunda fase da matéria nasce com o advento da Lei Sarbanes-Oxley em 2002, após uma onda global de escândalos financeiros e fraudes contábeis em diversos grupos econômicos. O princípio da “essência sobre a forma”, com o reconhecimento mundial do IFRS e o comprometimento formal das lideranças sobre o conteúdo real das demonstrações financeiras passam a ser a regra geral.

Já a terceira fase da governança advém da crise financeira de 2008, que assolou a maioria das instituições financeiras e grandes grupos econômicos, rediscutindo o papel da autorregulação, mais foco na chamada “gestão de risco”, uma revisão no papel dos chamados gatekeepers (profissionais, como os auditores, que verificam e validam as informações empresariais ao mercado) e o estabelecimento da importância do compliance.

A quarta fase, ainda em andamento, é a era da “proteção dos dados pessoais”, iniciada em 2016 com a edição de diversas normas pelo mundo, demandando da atividade empresarial maior respeito na coleta e trato dessas relevantes e sensíveis informações, fruto do avanço dos modelos de negócio baseados nesse novo e intangível “fator de produção”.

A atual pandemia traz a consolidação da quinta fase da governança, a era do ESG (environmental, social, and governance), com a valorização da diversidade, inclusão, sustentabilidade, propósito, intencionalidade, aspectos socioambientais, economia de baixo carbono e circular, alinhamento intergeracional e inovação. Esta quinta fase é perceptível desde o fim de 2019, após a manifestação pública de relevantes gestores de recursos e administradores de grandes empresas sobre o tema ESG em nível global.

Bancos e demais financiadores começaram a se posicionar em prol de investimentos em empresas que, efetivamente, possuam modelos de negócio, projetos e ações com visões mais consistentes de longo prazo e que respeitem as novas demandas de consumidores, trabalhadores, fornecedores, comunidades e investidores. Trata-se de aliar bons retornos financeiros com a geração de um valor socioambiental relevante, impacto positivo, além de uma clara redução dos riscos empresariais, jurídicos e reputacionais.

As organizações devem trazer o tema para o campo da estratégia, das ações reais (não só no discurso), das suas metas transversais e de seus projetos (não só os de curto prazo). Trata-se de uma mudança de postura, de comunicação e de relacionamento com os novos e mais exigentes stakeholders.

Este ano, polêmicas advindas da pandemia, tais como a luta contra o racismo e demais formas de discriminação e discursos de ódio e o combate contra o desmatamento ilegal, do aquecimento global, de violações contra direitos humanos e demais temas reforçam o papel das organizações. A chamada “economia sustentável” nos torna protagonistas, com mais responsabilidade, e que não sejamos omissos sobre ESG.

Por óbvio, ainda há desafios para a consolidação do tema ESG. Alguns acreditam que ele ainda não é devidamente mensurável e monitorável e sua forma de demonstração pode ainda soar meramente oportunista e no campo do marketing. Outros entendem que a preocupação é meramente financeira e não inteiramente uma mudança cultural perene e consistente. Fato é que financiadores já estão incluindo esses critérios e filtros em suas análises de investimento e de crédito.

Hoje o desafio maior é o do aculturamento geral sobre as questões ESG. Aproveitemos este ano desafiador para refletirmos e aprendemos mais sobre essa temática e elevá-la a um novo

patamar. Que este movimento não seja passageiro e que possamos, sinceramente, considerar a “boa governança” um investimento, com ganhos socioambientais, justamente para melhorarmos as nossas organizações e instituições, o nosso ambiente de negócios e o planeta como um todo!

André Camargo e Alexei Bonamin são, respectivamente, sócio de TozziniFreire Advogados na Área de Societário, com foco em governança corporativa e M&A, vicepresidente do Ibrademp e professor; e sócio de TozziniFreire Advogados nas áreas de Mercado de Capitais e Private Equity & Venture Capital, responsável pelo grupo de Investimentos Sustentáveis e de Impacto, e professor

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