Por Vandson Lima, Carla Araújo, Rafael Bitencourt e Marta Watanabe – Valor Econômico

23/11/2018 – 05:00

A edição de uma nova medida provisória (MP) pode ser o caminho para o desfecho da negociação tríplice entre o Congresso Nacional, o governo atual de Michel Temer e interlocutores do futuro governo de Jair Bolsonaro para aprovar uma eventual distribuição a Estados e municípios de parte do bônus de assinatura das áreas da cessão onerosa, que podem render até R$ 100 bilhões. Ontem, o Valor mostrou que o governo eleito pretende mudar o marco legal do pré-sal, para elevar a arrecadação com a mudança do regime de partilha para concessão, além de criar mecanismo para dividir os recursos com Estados e municípios.

Segundo fonte do governo diretamente envolvida na negociação, o Ministério do Planejamento está estudando as possibilidades. O encaminhamento é dos mais complicados porque, para o atual governo, seria fundamental que a cessão onerosa fosse aprovada tal como está, sem alterações e sem previsão imediata de repasse, para cumprir integralmente a chamada “regra de ouro”.

O secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia, Marcio Felix, afirmou que, se o governo editar MP para ampliar a arrecadação com o leilão do óleo excedente dos contratos de cessão onerosa da Petrobras e também aumentar o repasse de recursos a Estados e municípios, o certame ficaria para 2020 “na melhor das hipóteses”.

“É preciso considerar o risco político que está envolvido nisso e o atraso a ser provocado pela mudança de regra. Além de termos a incerteza da renovação do Congresso, poderia haver um novo racha entre os parlamentares para definir a divisão dos recursos entre os entes da federação”, disse o secretário. Segundo ele, a experiência no Parlamento brasileiro já mostrou que esse é um tema que divide aliados e une adversários, na ânsia de ampliar a fatia de recursos para seu próprios Estados.

Felix pondera que o edital de venda do óleo excedente dos contratos de cessão onerosa é analisado há dois meses pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Para ele, esse tempo seria perdido. “Até a aprovação da MP, que poderia ocorrer em meados do próximo ano, o tribunal vai começar tudo do zero, para considerar a exploração pelo regime de concessão [não mais de partilha].”

O técnico explicou que as regras do leilão independem da aprovação do Projeto de Lei da Câmara (PLC) 78/18. A aprovação da matéria está sendo aguardada apenas para facilitar a conclusão do acordo da União com a Petrobras sobre o volume de óleo excedente.

Para o secretário, o regime de concessão dificultaria ainda o acordo sobre a unitização de áreas. Pelo regime de partilha, o ressarcimento é pago com óleo extraído da própria reserva, mas na concessão isso não está definido.

Na semana passada, o Senado inseriu em um projeto dispositivo que destina 50% dos recursos vindos da comercialização do petróleo do pré-sal – que iriam integralmente para o Fundo Social – para outro fundo, o Brasduto, voltado para expansão de gasodutos e para o fundo de participação de Estados e municípios. Agora, o presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE), entrou no circuito para negociar com os futuros ministros da Economia, Paulo Guedes, e da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, além de parcela do fundo social, a divisão de parte do bônus da cessão onerosa. “Se queremos ser uma federação de verdade, não pode a União ficar com tudo enquanto Estados e municípios estão em extrema dificuldade”, apontou Eunício.

O grupo de Bolsonaro sinalizou que aceita dividir o recurso, mas preferiria fazer isso futuramente, até como forma de barganhar com a próxima composição do Congresso o apoio a reformas estruturais, como a Previdência. Mas percebeu que, se isso fosse levado a cabo, o Senado travaria o trâmite da cessão onerosa.

Por isso, abriu-se nova negociação e a possibilidade de uma MP. Tecnicamente, o Fundo Social foi criado com o objetivo de garantir que parte dos recursos do pré-sal garanta investimentos nas áreas de Saúde e Educação. Essas duas áreas governamentais hoje têm forte caráter descentralizado, ou seja, são executadas por Estados e municípios, ainda que em boa parte com recursos repassados pelo governo federal.

A legislação permite que parte do bônus de assinatura também seja destinada a esse fundo, mas para fazer a partilha com os entes federativos seria necessária uma mudança de lei prevendo isso e estabelecendo também os critérios para essa divisão, como os percentuais para cada ente. Aí entra a MP, uma possibilidade confirmada ao Valor por duas fontes do Congresso envolvidas na articulação e uma do Planalto.

O atual ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun, não descartou a possibilidade de o governo editar uma MP, mas ressalvou que, “neste momento, o pensamento do governo é de que é possível aprovar o projeto no Senado e até mesmo na Câmara se houver modificações no texto”. “Não vejo dificuldades de o Senado incluir as mudanças que julgar necessárias”, disse.

Marun afirmou ainda que o assunto está sendo debatido com os líderes e que a sinalização do Senado é que só há disposição de votar com a inclusão de recursos para Estados e municípios já no texto ou, ao menos, um compromisso com um acerto posterior, que seria a MP. O ministro ressaltou que o governo de Michel Temer entende que é “preciso haver uma sinalização do futuro governo” de Bolsonaro também nessa discussão, já que é a equipe do próximo presidente é que gerenciará os recursos oriundos da cessão onerosa.

A secretária-executiva do Ministério da Fazenda, Ana Paula Vescovi, diz que se preocupa com a discussão sobre distribuição aos Estados dos recursos do leilão dos excedentes da cessão onerosa de petróleo. “A distribuição aos Estados, confesso, muito me preocupa. Precisamos empreender um ajuste que é de todos, não adianta tirar de um lugar e colocar no outro”, disse a secretária-executiva. “Todos os entes da federação precisam reduzir suas despesas. Esse processo pode gerar incentivos inadequados a essa percepção que é clara para todos nós. segundo ela.

A segunda preocupação, disse Vescovi, é que não adianta fazer um processo de distribuição de recursos neste momento com o desafio enorme da “regra de ouro”, referindo-se ao impedimento constitucional de financiar gastos correntes com emissão de dívida. “E nas contas estaduais precisamos promover instrumentos para que os Estados façam seus ajustes pelo lado da despesa. Essa é uma receita que pode entrar ajudando a cumprir a ‘regra de ouro'”, concluiu.