Diário do Comércio
27/02/2020

Por José Nelson de Almeida Machado*

ENGENHARIA HOJE | SANEAMENTO ANDA SEM SAIR DO LUGAR

O governo federal publicou, em 23 de janeiro último, o Decreto 10.203, que prorroga até 31 de dezembro de 2022 a elaboração dos Planos Municipais de Saneamento Básico. Esta constitui já a segunda prorrogação de prazo, caracterizando um atraso de 15 anos da promulgação da Lei 11.445, de 2007, que institui a Política Nacional de Saneamento Básico (PMSB). A alteração foi feita a pedido da Confederação Nacional dos Municípios (CNM).

Conforme dados da CNM, atualmente, menos da metade dos municípios brasileiros possui o plano, que exige recursos financeiros e técnicos de alto nível para ser feito. Considerando a complexidade de elaborá-los, a CNM solicitou não apenas a prorrogação, como também apoio financeiro a fundo perdido para que os municípios consigam avançar e cumprir a legislação.

A titularidade dos serviços de saneamento é da competência municipal. Sem a prorrogação, municípios que não tiverem o PMSB não poderão receber recursos do governo federal para saneamento, e os prejuízos afetarão toda a sociedade.

De acordo com a Lei 11.445, o plano municipal deve abordar os quatros serviços de saneamento básico – abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, drenagem e manejo de águas pluviais -, além de limpeza urbana e manejo dos resíduos sólidos. O conteúdo é amplo e deve abranger vários fatores. São exemplos: diagnóstico da situação e de seus impactos nas condições de vida; objetivos e metas de curto, médio e longo prazos para a universalização; programas, projetos e ações necessárias para atingir os objetivos e as metas; ações para emergências e contingências; mecanismos e procedimentos para a avaliação sistemática da eficiência e eficácia das ações programadas.

O Brasil se encontra atualmente em uma situação próxima à universalização quando se trata do serviço de abastecimento de água, mas em um déficit abissal quando se trata de coleta e, principalmente, tratamento de esgotos urbanos. Com os esgotos lançados diretamente nos cursos d’água, a degradação dos córregos e rios vem piorando a olhos vistos.

A Lei 9.605/98, que ficou conhecida como a Lei de Crimes Ambientais, estabelece penalidades, inclusive criminais, para os agentes poluidores do meio ambiente. Há relatos de vários agentes públicos condenados com base nesta lei. Nem por isto as soluções avançaram para padrões civilizados.

Uma das razões para este descaso é que as pessoas se habituaram, de longa data, a lançarem os seus resíduos no solo, redes de águas pluviais e nas vias públicas e naturalmente não pagarem por isto. Esta situação acabou resultando em uma resistência muito grande para a adesão ao sistema público devido ao incremento que ocorre na conta mensal de água quando se acrescenta o custo do serviço de esgoto.

Esta situação ficou muito bem evidenciada na pesquisa “Percepções sobre Saneamento Básico” feita pelo Ibope e Instituto Trata Brasil em junho de 2009. Foram entrevistadas 1.008 pessoas em 67 cidades com mais de 300 mil habitantes. Os resultados mostraram que 31% das pessoas não sabem o que é saneamento básico e 41% não se dispõem a pagar para ter os serviços de esgotamento sanitário. Mesma pesquisa mostrou que a população considera o fornecimento de água como o serviço público mais importante, vindo, na sequência, em segundo, a energia elétrica e, em seguida, o esgoto e o telefone.

O problema é que o desinteresse das populações pelos sistemas de saneamento acaba pautando o comportamento dos gestores públicos, que acabam priorizando outros serviços, muitas vezes de vantagens discutíveis, fazendo com que a precariedade dos serviços de esgoto não venha encontrando uma disposição firme dos governos municipais e das populações no sentido de eliminar ou reduzir este grave passivo ambiental. Isto gera o retorno de doenças, mau cheiro e lama.

Um fato a ser destacado é que as concessões de sistemas de esgotamento às companhias estaduais são em número insignificante em relação às concessões dos serviços de abastecimento de água. Em Minas Gerais, a Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa) possui cerca de 610 concessões de abastecimento de água e menos da metade de esgotamento sanitário.

As cidades que se destacam no ranking do saneamento têm uma característica comum: há anos o saneamento é prioridade em seu plano diretor e os investimentos são regulares, independentemente do órgão operador – seja ele privado, municipal ou estadual. “O planejamento local e a prioridade às questões ambientais são fundamentais para os avanços”, afirmou, em entrevista à imprensa, Gesner Oliveira, ex-presidente da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp)

Assim não basta ter recursos financeiros suficientes. É necessário um intenso trabalho de mobilização e sensibilização das comunidades e dos gestores públicos para que os serviços de esgotamento sanitário consigam deslanchar. O Plano Municipal de Saneamento Básico é uma importante ferramenta para este objetivo.

Resta esperar, e trabalhar, para que este seja o último adiamento.

*Engenheiro sanitarista e ambiental, membro do Conselho Fiscal da SME e consultor em saneamento e gestão de recursos hídrico