Valor Econômico
12/11/2019

Por Juliana Machado

Para gestora global, ações brasileiras vão destravar novo potencial de alta com crescimento da atividade

O efeito positivo da queda da Selic para o mercado de ações ainda não se esgotou. É verdade que não são todos os papéis que vão continuar subindo daqui para frente, mas, no geral, a bolsa de valores ainda tem retorno a entregar, com a perspectiva de juros estruturalmente menores. O que precisa vir agora é crescimento – sem isso, as ações podem até ter valorização adicional, mas não vão destravar todo seu potencial. Essa é a visão de Marc Forster, diretor-executivo e chefe da Western Asset no Brasil.

“Dos ativos brasileiros, o que menos se beneficiou do ambiente de juro baixo ainda é a bolsa. Ela andou proporcionalmente menos, apesar de já ter andado bastante”, afirma. “A percepção de risco com o Brasil melhorou aos poucos: as taxas de juros foram caindo e a bolsa veio subindo com isso. O crescimento vai permitir a próxima caminhada, liberar esse valor.”

Com US$ 11,2 bilhões geridos só no Brasil (US$ 452,9 bilhões globalmente), a Western vem se preparando para um novo momento de país, em que o juro baixo somado à recuperação da atividade deve empurrar investidores não apenas para a renda variável, mas também para formas cada vez mais arriscadas de obter rentabilidade, como o exterior. “Fala-se muito em diversificação e acreditamos que será necessário e inevitável investir no mercado internacional”, diz.

Valor: O que é o mercado pós-reforma da Previdência? Qual o grande catalisador agora?

Marc Forster: Essa pergunta só existe porque a reforma da Previdência não trouxe a enxurrada de capital estrangeiro esperada. É difícil saber qual o próximo catalisador, mas aparentemente o que falta, e isso vale para o investidor local também, é a confiança de que o crescimento virá. A redução dos custos da economia ajuda, mas o que paga as contas de longo prazo é a geração de lucro. Corta-se custo para ficar mais leve e pronto para um crescimento futuro. É o que o Brasil está fazendo. Nós aumentamos a previsão de PIB [Produto Interno Bruto] no ano que vem para 2%, mas o tema do governo não pode mudar, a retórica tem que ser de persistir nas reformas e o resultado disso tem que aparecer.

Valor: Nesse ambiente, qual é a melhor estratégia? Onde ainda estão as oportunidades?

Forster: Nunca há oportunidade óbvia, mas nossa visão é que a bolsa se valorizou menos. É o ativo que andou proporcionalmente menos, apesar de já ter andado bastante, justamente por conta da falta de confiança de que haverá crescimento constante de lucros. No começo do ano, o andar da carruagem frustrou muita gente. As ações têm subido, mas muito mais porque a taxa de risco veio caindo, com a baixa do juro. A percepção de risco veio melhorando e a bolsa veio subindo com isso. O crescimento vai permitir a próxima caminhada, liberar esse valor. Tende a continuar o fluxo local, mas também acredito que os estrangeiros tendem a vir via empresas e setores mais líquidos e com presença no MSCI, caso dos bancos.

Valor: Que tipo de diversificação cabe agora nas carteiras?

 Forster: Desde que o juro passou a cair, fala-se em diversificação para obter a rentabilidade. Agora, acreditamos que será necessário e inevitável investir também no exterior. Antes, você se escondia atrás de um muro chamado CDI ou NTN-B [título que acompanha a rentabilidade da inflação]. Hoje, onde o investidor poderia se esconder? Está mais difícil não aceitar mais risco, mas, ao mesmo tempo, é mais arriscado não ter exposição internacional. O mercado financeiro internacional é muito maior, a liquidez é muito maior e as opções, mais diversas. O Ibovespa, por exemplo, continua altamente concentrado em bancos e commodities. Incluir investimentos fora [do Brasil] é diluir esse risco derivado da concentração.

Valor: Os investidores locais vão continuar disputando espaço com os estrangeiros nas ações?

 Forster: Vai, sim, porque os estrangeiros devem voltar a alocar aqui com mais força, conforme haja evidência de que as coisas estão melhorando, com retomada da atividade. O que compõe a relutância é a questão global, com o medo da recessão e a guerra comercial entre China e EUA, uma ameaça não só para Brasil, mas para emergentes como um todo. Uma desorganização de fluxos de comércio global vai instalar no mundo a sensação de menor crescimento, logo os emergentes também crescem menos e, consequentemente, o investidor volta para o porto seguro. Parte dessa construção de confiança perante o investidor internacional vem do nosso dever de casa, da rota correta de reformas em que estamos, mas outra parte vem de um processo que não está na nossa mão, que é a expectativa de que os fluxos globais vão se reorganizar.

Valor: Então qualquer piora na frente externa pode fazer o mercado devolver parte do que ganhou?

Forster: Sem dúvida, pode acontecer. O mercado sofre como um todo sempre que crescem os receios na frente internacional, não tem como ficar blindado. O que o Brasil tem em seu benefício é, eventualmente, sofrer menos. Os estrangeiros olham para emergentes como um todo, há países que seriam pegos de frente nesse cenário de recessão, enquanto nós avançamos com a nova Previdência, outras reformas, as privatizações, enfim, uma agenda positiva. É um país que navegaria melhor em um mar revolto. E não acreditamos em uma recessão global, assim como não acreditamos que haverá uma ruptura comercial entre EUA e China, mesmo que a gente enfrente dias de mais pressão.

Valor: O juro baixo força a migração para ações em várias economias, com maior ou com menor crescimento. Qual é o risco de formação de bolhas financeiras?

Forster: Bolhas financeiras são outra coisa que a gente só descobre quando vemos estourar. No entanto, não acreditamos que esteja se formando uma bolha, porque há fundamentos, claramente. Estamos aqui analisando um cenário em que a situação global vai se equacionar,os medos de guerra comercial se reduzem com o tempo e a probabilidade de recessão global também cai. Assim, há chance de o crescimento global continuar acontecendo, ainda que fraco, o que beneficia países emergentes. Essa não é a definição de bolha. As empresas estão lucrando, o país está crescendo, mesmo que pouco. Uma bolha se forma quando existe um erro crasso de avaliação de um ativo.

Valor: Excesso de liquidez não é um sinal de formação de bolhas?

Forster: Uma eventual bolha vai se criar se o motivo que está puxando a alta dos ativos for outro que não a realidade dos fundamentos. Vivemos um momento de euforia na bolsa, especialmente aqui no Brasil, mas não existe uma conversa de comprar qualquer setor, de forma indiscriminada. Num contexto de bolha, você começa a ter dificuldade de explicar os avanços, é o famoso ‘cresce porque cresce’. Bolhas crescem, no mercado financeiro, por excesso de liquidez, mas também porque o investidor está buscando risco e alocando mal o dinheiro, seja por falta de onde aplicar recursos, seja por uma leitura errada do que realmente está ocorrendo. Basta notar o caso de empresas que parecem crescer muito, mas não entregam lucro, como Uber, WeWork. Os papéis sofrem, o mercado não fechou os olhos. Vai ter uma bolha em algum momento em algum mercado? Vai. Vai ter uma crise? Vai. Mas definição de bolha e crise não é a nossa história agora, nem do mundo.

Valor: Qual seria o juro real do Brasil? O país está fazendo reformas, mas ainda é um emergente…

Forster: A discussão de juro neutro é o Santo Graal dos economistas. O que sabemos, com certeza, é que o juro neutro é menor no Brasil e no mundo do que no passado. As fontes de pressão inflacionária hoje são diferentes e parecem ser menores. Mas um juro real rodando a 1%, considerando uma Selic de 4,5% e a inflação de 3,5%, está abaixo do neutro na nossa visão. Portanto, é um juro estimulativo para a economia e, dessa forma, permite nosso cenário de recuperação gradual da atividade brasileira. Nossa expectativa de juro neutro é de 2,5%.