Valor Econômico
09/07/2020

Por Francisco Góes e Rafael Rosas

BNDES mantém confiança na continuidade do processo de concessão da Cedae apesar de judicialização do município do Rio

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) vai continuar com o processo de concessão da Companhia Estadual de Água e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae), apesar dos questionamentos do município do Rio. “A judicialização [da Cedae] vai contra a geração de 45 mil postos de trabalho [resultantes da concessão], vai contra a despoluição da Bacia do Guandu e da Baía de Guanabara e das nossas praias. É algo que temos dificuldade de entender, é uma visão fiscalista, da realidade fiscal do município [do Rio]. O banco está preparado a seguir com o processo uma vez que as externalidades do modelo proposto pelo BNDES são evidentes”, disse Abrahão, ontem, na Live do Valor.

Responsável pela modelagem da Cedae, o banco vem trabalhando para fazer o leilão da companhia no quarto trimestre de 2020, o que é viável, segundo Abrahão, tanto do ponto de vista técnico como dos investidores. A agenda política, porém, pode fazer com que o processo fique para 2021.

Em junho, o prefeito do Rio, Marcelo Crivella, entrou com ação na Justiça para tentar barrar o processo licitatório da Cedae. O governador Wilson Witzel, interessado na concessão, enfrenta, por sua vez, uma crise política no Estado depois das denúncias de suposta corrupção em contratos de combate à covid-19 no Rio de Janeiro.

A Cedae é a maior concessão de infraestrutura prevista no país, envolve distribuição de água, coleta e tratamento de esgoto, e prevê investimentos de R$ 33,5 bilhões ao longo do período da exploração pela iniciativa privada. No processo, o BNDES presta serviço ao Estado do Rio, fazendo a modelagem, por meio de contrato que foi celebrado entre as partes em 2017.

Abrahão reiterou ontem que a Cedae é um dos projetos mais adiantados na carteira de saneamento do BNDES, formada por oito empreendimentos que somam R$ 53 bilhões em investimentos ao longo das concessões. O valor também considera projetos de Parcerias Público Privadas (PPPs). No portfólio do banco (ver tabela ao lado), o investimento em saneamento é maior, de R$ 54,7 bilhões, mas ontem Abrahão falou em R$ 53 bilhões. A diferença é resultante de ajustes feitos na carteira.

Os projetos de saneamento em modelagem no BNDES devem incorporar aos contratos elementos do novo marco regulatório do setor, disse Abrahão. Ele elogiou o novo marco pois considera que traz avanços importantes.

O saneamento é uma das áreas nas quais o banco trabalha na infraestrutura. Mas há outros setores, incluindo logística de transportes e infraestrutura social, que levam o valor total de investimentos na carteira para R$ 188 bilhões. Parte desse montante, nas contas do BNDES, será aportado diretamente pelos concessionários como capital (equtiy) nos projetos. Outra parcela será financiada pelo BNDES e por outros bancos. “Temos condição de financiar os projetos, mas queremos atrair outros agentes financiadores”, disse Abrahão.

O objetivo do banco, segundo ele, é “abrir a infraestrutura” ao investimento privado estrangeiro. “Queremos abrir para ter competição para beneficiar o consumidor e o pagador de impostos”, afirmou. Ele avaliou que em alguns setores, como saneamento e rodovias, o número de companhias privadas atuando no país ainda é pequeno. “No saneamento tem companhias privadas, mas são poucas. No setor de rodovias, tirando aquelas em dificuldades, cinco empresas têm mais de 60% da malha”, disse Abrahão. Ele informou que o banco trabalha na modelagem de 16 mil quilômetros de rodovias. “E o número vai aumentar”, afirmou.

Na live, espectadores questionaram Abrahão sobre como é possível evitar que a ineficiência do setor público no saneamento se repita também na atuação de empresas privadas. Para ele, a solução para esse problema está em uma boa modelagem dos projetos de concessão. Ele aproveitou a deixa para dizer que problemas de concessão que o Brasil enfrentou nos últimos 15 anos foram resultado de modelagens mal feitas. Citou dois exemplos. O primeiro foi o do aeroporto de Viracopos, em Campinas (SP), cuja situação, segundo ele, é “complexa”, resultante de uma concepção “mal feita”, com descasamento entre investimentos e demanda. Citou ainda a BR-163, cuja modelagem também teria problemas de origem. E defendeu: “A melhor prevenção é modelagem que se reflita nos contratos.

Na visão dele, o Brasil passou por um processo “perverso” marcado por um oligopólio de empreiteiras, de um lado, e um monopólio estatal, de outro. “Dois tipos de corporações”, disse. Essa situação resultou, segundo ele, em projetos de infraestrutura mal concebidos, “impossíveis de ficar de pé”. “Hoje tentamos exumar esses ‘cadáveres’ e resolver o problema, em uma iniciativa que envolve o Ministério da Economia, o Ministério da Infraestrutura e que conta com a participação do BNDES”, disse Abrahão.

Ele também falou de mecanismos para mitigar o risco dos investidores. Citou a possibilidade de se usar instrumentos de “outorga variável” e disse que os reajustes tarifários atrelados ao IPCA podem ser eficientes a longo prazo. A preocupação com a variação cambial é mais de curto prazo, observou, e está atrelada a pagamentos de dívida. “Estamos estudando a formação de fundos que possam comprar parte desse risco”, afirmou Abrahão.