Por André Rocha – Valor Econômico

10/05/2018 – 05:00

A discussão sobre privatização no Brasil é marcado por preconceitos ideológicos. Argumentos racionais são deixados de lado. Mesmo partidos com viés pró-mercado, como o PSDB, têm receio de defender a bandeira.

Não é de se estranhar. O brasileiro se acostumou com o Estado onipresente, executando diversas funções, da segurança à mineração. Mais do que isso, o Estado é um excelente empregador, pagando bem e com estabilidade. Uma metáfora, no fim desse texto, pode ajudar os políticos a explicarem os benefícios da privatização à população.

O PSDB e outros partidos evitam o tema privatização com medo de perderem o apoio dos funcionários das estatais e também da sociedade. Apesar de serem responsáveis por privatizações bem sucedidas, como a da Vale e a do setor de telecomunicações, os últimos candidatos do partido à Presidência não defenderam o legado.

Quem se lembra de Geraldo Alckmin, fantasiado de petroleiro nas eleições de 2006? O provável candidato do PSDB parece indeciso sobre o tema. Está em curso a reestruturação da empresa de saneamento Sabesp. Contudo, o governo de São Paulo não abriu mão do controle. Como o Estado só possui 50,3% da companhia, caso houvesse uma emissão primária para custear os investimentos, a participação do governo seria diluída e correria o risco de perder o controle. O governo fez ginástica para não transferir a empresa ao setor privado: constituiu uma nova empresa da qual possui 100% e que deterá a participação original de 50,3% da Sabesp.

Essa holding emitirá novas ações e destinará os recursos arrecadados ao Estado e à Sabesp. Caso a participação do governo caia para 50% na nova empresa, São Paulo terá o controle da Sabesp possuindo apenas 25% da Sabesp.

O PT defende as estatais, mas apenas discurso não basta. Deixou as finanças de Petrobras, Eletrobrás e Correios em frangalhos.

Mas será tão difícil convencer o eleitorado de que em determinadas situações o melhor é passar as estatais para o setor privado? Será que a Embraer estaria em melhor situação se continuasse estatal? Será que a Telebrás teria tido capacidade para oferecer 236 milhões de celulares, número maior do que o da população brasileira?

Eduardo Rezende, portfólio manager da gestora Jardim Botânico Investimentos, sempre se preocupou com o tema governança. Os fundos da gestora não possuem ações de estatais. Rezende considera que a possibilidade de as estatais executarem políticas públicas cria um conflito de interesses incontornável entre o controlador e o minoritário.

Ele criou uma metáfora que pode ajudar pessoas comuns a perceberem os benefícios da privatização.

Imagine uma família composta pelo casal e dois filhos. São pobres e vivem em um pequeno sítio. Uma das crianças possui doença grave e necessita de recursos para o tratamento. A outra, mais velha, é muito inteligente e, em boas escolas, poderia desenvolver seu talento nato. A propriedade fica em uma região erma e frequentemente é assaltada.

Seu Antonio, o pai, segue angustiado: não consegue resolver nem o problema de saúde nem o de educação de sua família. Os saques a sua propriedade prosseguem. Mas milagres existem. Petróleo é descoberto no subsolo do seu quintal. Geólogos visitam o local e, após algumas pesquisas, constatam que há reservas no valor de R$ 1 bilhão.

É necessário investimento inicial de R$ 150 milhões para retirar o óleo. Seu Antonio consulta economistas e uma alternativa é obter empréstimo no banco e ele mesmo prospectar o petróleo. Por outro lado, caso a produção se inviabilize por problemas técnicos ou o preço do petróleo despenque, ele deverá arcar com a obrigação.

Como não possui qualquer experiência no setor e o financiamento possui riscos, outra solução é indicada. Que tal conceder esse serviço a uma petrolífera em troca de uma remuneração? Seu Antonio é apresentado ao presidente de uma grande petrolífera. Esse se interessa pelo projeto e oferece R$ 100 milhões. Seu Antonio fica indignado: “O óleo vale R$ 1 bilhão e esse porco capitalista me oferece apenas 10%! Que ninharia!”

A revolta o impede de perceber que esse dinheiro resolve o problema de saúde de seu filho, educa com qualidade o outro e pode tornar sua propriedade mais segura com cercas e seguranças. A grana garante o futuro de sua família e de uma futura geração.

É fácil comparar seu Antonio à sociedade brasileira. Mesmo com o Estado em péssimas condições financeiras, sem conseguir prover saúde, educação e segurança de qualidade, a sociedade se orgulha de seus “patrimônios” mesmo que esses não gerem recursos ou, pior, precisem ser financiados às vezes com os escassos recursos públicos. Não bastando, os políticos achacam os cofres das estatais como denunciado pela Lava-Jato.

Seu Antonio continua ofendido. Ainda não decidiu o que fazer. Seu filho continua febril, o mais velho deve deixar os estudos. Começa a ajudar o pai na banca de camelô. Na última noite, outra galinha foi roubada do quintal.

André Rocha é analista certificado pela Apimec e atua há 20 anos como especialista na avaliação de companhias listadas na bolsa.

As opiniões contidas neste espaço refletem a visão do analista sobre as companhias, e não a do Valor Econômico. O Valor e o autor não se responsabilizam por prejuízos decorrentes do uso dessas informações (Veja os termos de uso completos em www.valor.com.br/valor-investe/o-estrategista)