Flavia Lima e Lucas Vettorazzo – Folha de São Paulo

12/01/2018  02h00

O BNDES tem R$ 130 bilhões para devolver ao governo neste ano. Se tiver que devolver mais do que isso, a capacidade do banco em emprestar ficaria comprometida. A afirmação é do diretor da área Financeira e Internacional da instituição, Carlos Thadeu de Freitas.

A questão é que diferentes entes dentro da União miram os recursos do BNDES.

O Tesouro quer a devolução integral de R$ 130 bilhões para neste ano cumprir a chamada “regra de ouro” –que impede a União de captar recursos no mercado em volume superior a investimento, evitando que o governo se endivide para cobrir gastos com salários.

Deficitário, o FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) quer a devolução de outros R$ 20 bilhões para arcar com o seguro-desemprego e o abono salarial. O PIS/Pasep, que também tem como objetivo financiar o seguro-desemprego e o abono, pode demandar mais R$ 36 bilhões.

Em conversa com a Folha, Freitas diz que o banco tem condições de devolver os R$ 130 bilhões ao Tesouro no segundo semestre, mas alerta para o fato de que isso só será feito sob duas condições: que os desembolsos do banco não passem de R$ 90 bilhões e que não exista a necessidade devolver recursos ao FAT.

“Se os empréstimos superarem algo entre R$ 85 bilhões e R$ 90 bilhões ou se houver problemas no FAT ou no PIS/Pasep, o BNDES pode devolver menos”, diz Freitas.

Falar em desembolsos de R$ 90 bilhões para o BNDES parece muito, dada a forte desaceleração dos empréstimos dos últimos anos, mas não é.

Em 2017, o BNDES emprestou cerca de R$ 71 bilhões, segundo dados adiantados pelo banco à Folha –uma queda de 20% sobre 2016.

A média de empréstimos dos últimos dez anos do banco, no entanto, fica ao redor de R$ 136 bilhões.

Ainda que o banco, redesenhado, não volte mais a emprestar nesse ritmo, a expectativa de economistas é de expansão de 3% do PIB (Produto Interno Bruto) em 2018, o que pode elevar os pedidos de financiamento e deixar o banco sem fôlego para devolver o dinheiro ao Tesouro.

Na percepção de quem acompanha as contas públicas, os sinais do BNDES são preocupantes, principalmente quando colocados em um contexto maior.

Há imbróglio também, por exemplo, na Caixa. O banco foi autorizado a liberar recursos para Estados e municípios ao mesmo tempo em que pede R$ 15 bilhões ao FGTS, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, para continuar emprestando.

A situação é resumida por Felipe Salto, diretor do IFI (Instituição Fiscal Independente), do Senado: “A situação fiscal é das piores já vividas pelo país”, diz.

Segundo ele, o controle do gasto corrente, uma urgência, continua sendo “prioridade zero”, em particular o gasto com pessoal. “O grau de rigidez elevado do Orçamento dificulta a tarefa, mas passou da hora de colocar o dedo na ferida”, diz Salto.

No caso específico do BNDES, um executivo do banco que pediu anonimato conta que, nos corredores do banco, a avaliação é que o governo federal está jogando uma espécie de “bomba de fumaça” para desviar o foco da discussão sobre a gravidade do rombo fiscal.

O objetivo seria enviar um sinal de que a culpa da crise fiscal seria também do BNDES, que estaria se recusando a pagar o que deve.

José Roberto Afonso, professor do IDP e pesquisador do Ibre/FGV, acredita que o BNDES continua sendo usado como um instrumento de política fiscal, como foi feito no governo anterior.

“Naquele momento foi para expandir o crédito, agora serve para escamotear o cumprimento das regras fiscais”, diz. Hoje, 82,5% dos recursos que o BNDES possui para emprestar vêm de aportes do Tesouro e do FAT. Só do fundo, o percentual é de 31,3%. Pela Constituição, até 40% dos recursos do FAT podem ser destinados ao BNDES, desde que o fundo esteja no azul.