Valor Econômico
15/04/2020

Por Daniel Rittner, Fabio Graner, Talita Moreira e Maria Luíza Filgueiras

Operação com debêntures conversíveis e ‘warrants’ envolveria pelo menos quatro instituições

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) pretende coordenar um sindicato de bancos comerciais para o socorro de grandes empresas de setores em dificuldades por causa da pandemia de coronavírus. O plano de resgate busca mobilizar pelo menos quatro instituições financeiras – Itaú Unibanco, Bradesco, Santander e Banco do Brasil estão sendo chamados a participar -, além de investidores institucionais.

O desenho prevê “operações combinadas”, com emissão de debêntures conversíveis em ações, “warrants” (opção de compra de ações associadas a emissões de títulos privados), alongamento de dívidas e novos empréstimos.

Os setores contemplados, em princípio, serão os de companhias aéreas, elétricas, indústria automotiva e grandes varejistas não alimentícias. O Valor apurou que a solução será caso a caso, customizada por companhia e dependendo da situação financeira de cada uma, sem que seja aplicável a um setor inteiro de forma indiscriminada.

A lógica de envolver grandes bancos é inspirada no “pool” organizado pelo BNDES para os empréstimos bancários às distribuidoras de energia elétrica em 2014 e 2015. As duas operações somavam mais de R$ 20 bilhões, mas tinham uma diferença importante em relação ao socorro discutido atualmente. No setor elétrico, a ajuda no fluxo de caixa se tornava um “ativo regulatório” e tinha garantia de recebimento pela cobrança de um adicional nas tarifas de energia dos consumidores.

A ideia é que se encontrem soluções de mercado, e não recursos públicos, para socorrer as companhias, diz um executivo do setor bancário que participa das discussões. Se o modelo for bem-sucedido em fazer as empresas sobreviverem e retomarem suas atividades, poderia, conforme fontes ligadas ao governo, dar retorno maior para o Tesouro e os demais bancos.

Nesse caso, dois caminhos principais estão à disposição: emissão de debêntures conversíveis em ações e o uso em larga escala dos “warrants”.

Os técnicos avaliam que o esse segundo modelo pode ser um fator de redução de custo dos empréstimos, já que se trata de dois instrumentos associados e os bancos poderiam inclusive comercializar esses ativos em mercado secundário, caso considerem a melhor estratégia. Bancos de investimento também podem ser acionados para colaborar com o desenho de tais operações.

Na debênture conversível, a tendência é que o custo de renda fixa seja maior, diz uma fonte que tem participado das discussões nos últimos dias, porque é um único instrumento, enquanto o “warrant” daria mais flexibilidade. Mas, na própria área econômica há quem prefira instrumento mais convencional de debêntures conversíveis em ações.

Outras garantias, como recebíveis das empresas, podem eventualmente acabar entrando nessa articulação liderada pelo BNDES. Isso dependerá da empresa e do setor. De qualquer forma, o trajeto que se desenha tende a acabar gerando um aumento nas participações acionárias do BNDES, que antes da crise vinha reduzindo esse tipo de exposição.

A capitalização de empresas pelo BNDES por meio de debêntures e warrants é o modelo em discussão atualmente pelo banco com as três empresas aéreas de origem brasileira. Conforme três fontes do mercado financeiro, Latam, Azul e Gol podem receber R$ 3 bilhões de capital nessa composição. “O BNDES subscreve as debêntures e fica com a garantia firme, mas não necessariamente para exercê-la. A empresa faz oferta pública, inclusive desse direito de compra futura de ação, que é a warrant”, explica um banqueiro.

Os bancos privados não têm interesse em ficar com participação no capital das empresas, segundo fonte do setor. No entanto, vão participar da estruturação dessas operações, além de estender prazos de dívidas que as companhias já têm e avaliar a possibilidade de novos empréstimos. As instituições também deverão ajudar a atrair fundos interessados em investir nas companhias.

Segundo uma fonte ligada ao governo, os bancos devem participar porque são credores das empresas e não têm interesse que grupos saudáveis vão para recuperação judicial ou quebrem em função de um momento ruim. E isso, por sua vez, geraria uma crise de crédito para os próprios bancos, complicando a situação sistêmica da economia.

Na segunda-feira, o plano de criação de um “sindicato” liderado pelo BNDES foi discutido pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, com os presidentes de grandes bancos: Candido Bracher (Itaú), Octavio de Lazari Jr. (Bradesco), Sergio Rial (Santander) e Rubem Novaes (Banco do Brasil). O presidente da Caixa, Pedro Guimarães, também participou. A montagem do “sindicato” tem sido articulada pelo presidente do BNDES, Gustavo Montezano, e pelo chefe do conselho de administração, Marcelo Serfaty. À Caixa, por ora, caberá lidar com o setor de construção (com medidas já anunciadas para aliviar o cronograma de pagamentos) e com microempresas.

Está em aberto ainda se os pacotes setoriais vão se destinar a empresas específicas ou a cadeias produtivas como um todo, afirma um interlocutor próximo a um grande banco. Lazari afirmou ao Valor na semana passada que as medidas adotadas até agora pelo governo para o combate aos efeitos econômicos da pandemia de coronavírus eram suficientes. Segundo o executivo, no entanto, em alguns setores seriam necessários “tiros de sniper” com soluções mais específicas.