Valor Econômico
13/11/2019

Por Juliana Machado, Marcelo Osakabe, Victor Rezende e Ana Carolina Neira

Situação na América Latina agrava sentimento dos investidores e derruba Ibovespa aos 106 mil pontos; dólar sobe a R$ 4,1679

A instabilidade política na América Latina elevou o nível de receio dos investidores globais e a busca por proteção na região, derivada desse sentimento, acabou atingindo o Brasil, mesmo diante da avaliação de que o país tem fundamentos melhores e uma situação política menos dramática do que os pares. Para gestores, o efeito pode até ficar restrito ao curto prazo, mas vai provocar mais nervosismo a depender dos desdobramentos políticos aqui e em outros países.

A procura por segurança conduziu o Ibovespa aos 106.751 pontos no fechamento, uma queda de 1,49%. A onda de saques por aqui ficou traduzida no giro financeiro, de R$ 14,1 bilhões, acima da média diária dos pregões de 2019. Importante medida de risco, o dólar comercial subiu 0,64%, para R$ 4,1679, enquanto a taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2025 saiu de 6,20% para 6,30% na sessão.

Os quatro piores movimentos cambiais ficaram concentrados na América Latina, com desvalorização também dos pesos chileno, colombiano e mexicano, além da moeda brasileira. Houve certa acomodação do mercado após comentários do presidente americano, Donald Trump, sobre a conclusão da primeira etapa do acordo comercial com os chineses, mas pesaram os acontecimentos na Bolívia, que enfrenta a renúncia de Evo Morales à Presidência, e no Chile, que convive com uma onda de violentos protestos.

“O Chile vem tendo problemas com protestos sem fim. Além disso, vemos a expresidente Cristina Kirchner no próximo governo na Argentina e temos a Bolívia com graves problemas políticos. A situação política geral da América Latina tem gerado oscilações”, diz Heber Vieira, operador de renda fixa da Terra Investimentos.

Para Mohamed Mourabet, sócio-fundador da Hogan Investimentos, a visão negativa dos investidores foi capturada por ativos líquidos da bolsa de valores, como bancos e empresas de commodities, que tiveram fortes quedas e arrastaram consigo o Ibovespa. Para ele, do ponto de vista do investidor local, há oportunidades nas ações, se forem considerados os fundamentos do país, mas não há como ficar imune à volatilidade na frente externa.

Recentemente, o alívio proporcionado pelo avanço das negociações comerciais sino-americanas havia permitido uma mudança de curto prazo no fluxo de estrangeiros para as ações já listadas (mercado secundário) da B3. No ano até o dia 8 de novembro, porém, essa classe de investidor segue com robusta retirada de recursos, já em R$ 32 bilhões.

 Segundo Adriano Cantreva, sócio da Portofino Investimentos, Bolívia e Chile são economias pequenas e com mercados financeiros bem menores e, por isso, é possível que qualquer efeito se dissolva, sem grandes impactos significativos ou duradouros. “O possível acordo comercial entre China e EUA, esse sim, é um processo que mantém a atenção dos investidores, sobretudo considerando a proximidade das eleições americanas presidenciais no ano que vem.”

Outros gestores, no entanto, ressaltam que, por mais que o investidor dissocie um mercado do outro, o Brasil acaba sofrendo por ser utilizado como forma cobrir perdas geradas nos portfólios expostos à região. “Por ser o mais líquido, o Brasil acaba tendo um movimento bastante intenso”, explica Luis Laudisio, da Renascença.

Para ele, o nervosismo na América Latina acaba tirando parte do ímpeto para ativos brasileiros, pelo menos no curto prazo, principalmente para investidores que tinham uma visão mais construtiva com Brasil.

Não bastassem os eventos políticos na região latino-americana e o inconclusivo acordo entre chineses e americanos, novos receios também derivam da disputa política em torno da prisão após condenação em segunda instância no Brasil. Depois do entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) de que são ilegais as prisões em segunda instância, antes de esgotados todos os recursos, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), afirmou que vai consultar líderes do Congresso sobre a chance de alterar a questão via Constituinte.