Valor Econômico
01/07/2021

Com economia fechada e políticas voltadas a indústrias tradicionais, fica difícil ter maior inovação e crescimento

O que é inovação? Segundo Schumpeter, cujos insights sobre o desenvolvimento de economias capitalistas fornecem a fundação intelectual do novo paradigma de crescimento econômico, inovações podem ter cinco versões: a invenção de um novo bem; a introdução de um novo método de produção ou comercialização; a abertura de um novo mercado; o desenvolvimento de uma nova fonte de matérias primas ou; a reorganização de uma indústria ou setor. Sendo um conceito amplo, mas definido objetivamente, o processo de inovação é passível de quantificação, o que contribui para sua análise.

Uma forma simples, e muito utilizada, de se medir o grau de inovação observado em uma economia, a cada momento do tempo, é acompanhar a evolução dos pedidos e concessões de patentes – relevando o fato que as mesmas são heterogêneas, e que patentes são mais típicas em algumas indústrias do que em outras. A Organização Mundial de Propriedade Intelectual (Wipo) compila dados, a partir de informações fornecidas por autoridades nacionais, e oferece uma perspectiva bastante informativa sobre a evolução da criatividade e inovação nas últimas décadas.

Com economia fechada e políticas voltadas a indústrias tradicionais, fica difícil ter maior inovação e crescimento.

Considerando o panorama global, o quadro que emerge da análise da evolução das patentes é muito interessante, ainda que não surpreendente. Em 1995, os EUA registravam 21 patentes concedidas a residentes, por 100 mil habitantes, enquanto a China apresentava apenas 0,1 patente. Uma década depois, os EUA estavam vivendo uma onda de inovação, com 25 patentes, enquanto a China se mostrava um pouco mais criativa, com 1,6 patentes.

O quadro mudaria dramaticamente no período 2005-2015: o indicador para a economia chinesa avançou para 19,2, ante 44 nos EUA. A observação mais recente, datando de 2019, mostra uma aceleração adicional do grau de inovação nos EUA e China, as principais economias mundiais, para 50,9 e 25,8, respectivamente. Ainda que estes dados ofereçam uma informação parcial, cabe registrar que, do ponto de vista da inovação, as perspectivas para a economia global, segundo suas economias líderes, parecem ser favoráveis, em contraste com a visão estagnacionista que pareceu dominar o debate nos últimos anos.

Quando consideramos o Brasil e a região, o cenário é bem menos encorajador, mas também não tão surpreendente. Em primeiro lugar, vale observar que, sendo uma região distante da fronteira tecnológica, na América Latina a maioria das patentes são concedidas a não residentes. Se considerarmos os dados mais recentes, 47% das patentes concedidas nos EUA foram para residentes, ante 80% na China, mas apenas 8% na América Latina (média de Argentina, Brasil, Chile e México).

Mais importante, os países da região, a julgar pelo número de concessões de patentes para residentes, por 100 mil habitantes, inovam pouco. No caso do Brasil, desde 1985 o indicador tem oscilado entre 0,4 e 0,1 (sendo 0,4 o valor observado em 2019). A economia mais inovadora da região, sob esse critério, seria a chilena, com 1,5 patentes, ainda muito distante do que se observa nas economias líderes. Como é sabido, uma diferença marcante entre a economia chilena e a brasileira é que a primeira é bem mais aberta ao comércio internacional.

A relação entre inovação e comércio internacional é complexa, mas positiva. Em uma economia mais aberta ao mundo, os ganhos potenciais a serem derivados de uma inovação são maiores, uma vez que o mercado que poderá ser acessado é maior. Por outro lado, empresas que enfrentam competição externa têm maior incentivo para inovar, ou podem não resistir em um ambiente competitivo mais difícil – a abertura incentiva a inovação, sob esse prisma, tanto do ponto de vista dos incentivos quanto das sanções.

A abertura comercial favorece, também, a atualização tecnológica, o que é particularmente importante para economias que devem fechar o hiato de conhecimento. Entre as economias líderes de inovação, segundo os dados da Wipo, o grau de abertura médio é de 49% (comércio exterior sobre PIB), ante menos de 30% no Brasil.

Note-se, também, que as diversas iniciativas de política industrial adotadas pelo país nas últimas décadas, notadamente no período dos “campeões nacionais”, não parecem ter tido efeito significativo sobre a capacidade geral da economia em inovar – talvez porque o apoio governamental tenha sido alocado primariamente para empresas já estabelecidas, frequentemente em setores tradicionais, em vez de start-ups.

Esta coluna é dedicada a Carlos Langoni, um economista completo e que contribuiu de forma decisiva para retirar a profissão, no Brasil, de sua fase literária, incorporando a análise de dados como elemento essencial em sua produção acadêmica.

Mario Mesquita é economista-chefe do Itaú Unibanco