Luiz Pladevall* – Estadão

04 de agosto de 2019 | 09h00

A recente revisão do Plansab (Plano Nacional de Saneamento Básico) traz parâmetros fundamentais para uma abordagem integrada do saneamento básico no país e aponta caminhos para as políticas públicas para o setor. O cenário para a universalização dos serviços – traçado para o período entre 2019 e 2033 – mostra a necessidade de investimentos na ordem de R$ 600 bilhões para abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos e drenagem e manejo das águas pluviais urbanas, alcançando a universalização de serviços essenciais para a qualidade de vida da população brasileira.

O atual governo e os próximos têm a árdua tarefa de traçar um planejamento rigoroso, capaz de atingir as metas estabelecidas. O trabalho precisa começar com a organização do atendimento das necessidades do setor. Hoje, o acompanhamento federal das demandas dos municípios está pulverizado em diversos órgãos. Enquanto nas cidades acima de 50 mil habitantes (12% dos municípios do país) o saneamento é gerido pela Secretaria de Saneamento do Ministério do Desenvolvimento Regional, as demais localidades (88% do total) são atendidas pela Funasa (Fundação Nacional de Saúde), ligada ao Ministério da Saúde.

A falta de centralização das políticas públicas para o saneamento compromete o adequado planejamento e contribui para retardar medidas estruturais e medidas estruturantes. As primeiras estão diretamente ligadas aos investimentos em empreendimento físicos – como obras e estruturas físicas relevantes nas localidades – e precisam contar com a participação privada para o alcance das metas. Mas elas só podem avançar a partir das medidas estruturantes. Elas são essenciais para o suporte político e gerencial para a sustentabilidade da prestação dos serviços. Essas medidas norteiam o aperfeiçoamento da gestão nas mais diversas dimensões e também da melhoria cotidiana e rotineira da infraestrutura física.

As medidas estruturantes são de responsabilidade governamental e deveriam ser as primeiras ações a serem iniciadas. A revisão do Plansab prevê R$ 132 bilhões para as ações estruturantes. Elas vão orientar o avanço da infraestrutura do saneamento, fornecendo, por exemplo, orientação técnica aos municípios para a elaboração do plano municipal. Precisamos ainda inverter a perversa lógica de fazer planejamento de governo e passar a adotar um planejamento de Estado, transformando o saneamento em uma política pública permanente.

Um próximo passo é organizar as informações. A base do planejamento deve estar alicerçada em dados confiáveis e, apesar de oferecer um panorama do setor, os levantamentos do SNIS (Sistema Nacional de Informações Sobre Saneamento) são elaborados a partir das declarações dos próprios representantes dos 5.570 municípios brasileiros. A maioria dessas localidades sequer conta com especialistas para conduzir a elaboração de um plano municipal de saneamento e, provavelmente, fornecem informações sujeitas a muitos erros. A solução passa pela adoção de auditorias para alcançar um diagnóstico preciso do setor, assim como para traçar um panorama real das necessidades de investimentos no complexo universo do saneamento brasileiro.

A partir de um panorama minucioso podemos ainda avançar importantes etapas para a universalização, elaborando um planejamento capaz até mesmo de estruturar operações regionalizadas – por bacia hidrográfica ou região administrativa – permitindo o subsídio cruzado, onde os municípios maiores contribuem para o atendimento das demandas das localidades menores. A modelagem favorece ampliar a escala da prestação de serviço e construção de obras. A adoção dessa medida aumenta a produtividade das prestadoras de serviço, abrindo a possibilidade de que operadores ineficientes, como empresas estaduais deficitárias e municípios de pequeno porte economicamente inviáveis, conquistem padrões dos operadores eficientes.

Um planejamento detalhado e bem elaborado é uma ferramenta indispensável para o setor privado interessado em investir no saneamento nos próximos anos. Só para a área de esgotamento sanitário, são necessários investimentos na ordem de R$ 215 bilhões entre 2019 e 2033. Para a universalização do abastecimento de água são mais R$ 142 bilhões no mesmo período. Assim, atenderemos à demanda de 100 milhões de brasileiros que ainda têm suas residências sem conexão com a rede de coleta e tratamento de esgoto, e outros 35 milhões sem água potável. A falta de infraestrutura traz impactos diretos para a população, com o aumento de doenças, a redução da produtividade desses moradores, além das perdas econômicas. Pesquisa recente do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) revela que 34,7% dos municípios brasileiros registraram avanços de epidemias ou endemias relacionadas diretamente à transmissão hídrica.

Para fazer frente aos investimentos necessários, a iniciativa privada terá um papel importantíssimo e muito trabalho num futuro próximo. O planejamento também vai ajudar as empresas a enfrentar os desafios como a preparação de mão de obra especializada para dar conta dos projetos, obras e serviços. A área de saneamento tem sua própria complexidade e demanda profissionais especialmente preparados. Sem ter o setor produtivo pronto para o que temos pela frente, não conseguiremos transformar investimentos em empreendimentos funcionando e operando adequadamente.

Temos a oportunidade de deixar um legado histórico para as futuras gerações, contribuindo significativamente para a melhoria da qualidade de vida da população. Um dos caminhos é avançar com a privatização dos serviços de saneamento para o país, estruturada e antecedida de estudos de engenharia de boa qualidade. Isso permite investimentos rentáveis para as corporações e serviços com tarifas adequadas para o consumidor. Um equilíbrio importante capaz de ser alcançado.

*Luiz Pladevall é engenheiro, presidente da Associação Paulista de Empresas de Consultoria e Serviços em Saneamento e Meio Ambiente e vice-presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental