15/05/2019 – 05:00 – Valor
Por Mansueto Almeida

Na história recente do Brasil, desde a década de 1980, os Estados e municípios foram socorridos diversas vezes pelo governo federal. Infelizmente, essa prática não nos levou a uma trajetória benigna de ajuste fiscal e nem possibilitou o crescimento do investimento público.

No período mais recente pós Plano Real, a reforma do sistema financeiro levou a uma primeira mudança importante para os Estados com o Programa de Incentivo à Redução do Setor Público Estadual na Atividade Bancária – Proes (Medida Provisória 1.514/1996). Essa medida permitiu a concessão de financiamentos para saneamento financeiro e o refinanciamento da dívida dos Estados junto aos seus bancos estaduais com o compromisso de privatização desses bancos, uma medida importante para fechar uma fonte permanente de desequilíbrio fiscal nos Estados brasileiros.

Adicionalmente, a Lei 9.496/1997 federalizou a maior parte das dívidas dos Estados, especialmente a dívida mobiliária, e renegociou o estoque dessa dívida. Estados e municípios perderam a prerrogativa de emitir títulos públicos e o limite para contratação de novas operações de créditos passou a ser determinado e monitorado pela Secretaria do Tesouro Nacional. Essa lei refinanciou a dívida dos Estados por 30 anos à taxa de juros IGP-DI + 6% ao ano, ante 17% de juros reais que os Estados na época pagavam aos seus credores, e limitou o pagamento de juros mensal a, no máximo, 13% da Receita Líquida Real (RLR) dos Estados.

Essa renegociação dos Estados envolveu R$ 474 bilhões, em valores de 2017, e descontos de quase R$ 50 bilhões da dívida refinanciada. Se adicionarmos o montante da dívida dos municípios e outras dívidas renegociadas, o saldo total desse refinanciamento alcançou em valores da época 15% do PIB. Mas novos socorros e flexibilização de operações de crédito voltariam dez anos depois, apesar da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000) ter proibido novas renegociações de dívidas e de ter endurecido as regras para concessão de crédito e garantias da União.

Em 2009, o Tesouro Nacional, atendendo a demanda dos Estados, alterou o espaço de endividamento dos governos subnacionais com mudanças no Plano de Ajuste Fiscal (PAF) e resoluções do Senado foram também alteradas para excepcionalizar diversas operações de crédito dos limites globais de contratação dos entes federais, com destaque para empréstimos para os investimentos da Copa do Mundo e das Olimpíadas. Essas mudanças aumentaram, substancialmente, o espaço para o crescimento do endividamento dos Estados, inclusive dos mais endividados. De 2009 a 2012, foram autorizadas novas operações de crédito, no valor de R$ 143 bilhões, uma média de R$ 36 bilhões por ano, ante média de R$ 6 bilhões anual no biênio 2007-2008.

Qualquer tentativa de socorro aos Estados sem o controle da despesa com pessoal agravará mais a situação fiscal

Uma segunda mudança pós-2009 foi a flexibilização das regras na concessão de garantias, a flexibilização da nota do Tesouro Nacional que reflete a capacidade de pagamento dos entes subnacionais, a CAPAG. Apenas Estados e municípios com notas “A” ou “B” podem contratar operações de empréstimos com garantia da União. No entanto, de 2011 a 2014, o Ministério da Fazenda permitiu que Estados com nota “C” e “D” contratassem novos empréstimos com garantias da União, sem que houvesse qualquer compromisso de ajuste fiscal. Nesse período, mais da metade das novas operações de crédito com garantias da União se deu por meio de perdão (“waivers”) das notas dos entes subnacionais pelo Secretário do Tesouro e pelo ministro da Fazenda, uma prática que era regulamentada por uma portaria do Ministério da Fazenda, revogada apenas em 2017.

Uma terceira mudança importante na sequência de ajuda recente aos Estados pós-2009 foi a troca do indexador das dívidas renegociadas no âmbito da Lei 9.496/1997. Em 2014, o governo aprovou a Lei Complementar 148/2014, que alterou retroativamente o indexador dessas dívidas de IGP-DI+6% ao ano para IPCA+4% ao ano ou Selic, o que fosse menor. Essa troca de indexador representou uma redução de R$ 98 bilhões na dívida dos Estados e municípios.

Dois anos após essa mudança do indexador, o governo federal voltou a socorrer os Estados por meio da Lei Complementar 156/2016, com adesão de 19 Estados que tiveram uma ampliação de 20 anos no prazo para pagar a sua dívida junto à União, com o compromisso de limitar o crescimento da despesa com pessoal e de custeio à inflação por dois anos. Ressalte-se que, a princípio, esse tipo de renegociação era vedado pela LRF, mas a solidariedade com os Estados foi mais forte do que a letra fria da lei.

Essas duas últimas mudanças – indexador e alongamento da dívida – reduziram em cerca de 30% o serviço da dívida dos Estados, apesar da contratação de novas operações de crédito pós-2009. Com exceção dos quatro Estados mais endividados (SP, RJ, RS e MG), o serviço da dívida dos Estados passou a ser entre 5%-7% da sua RCL, valor muito abaixo do teto que havia sido estabelecido, em 1997, e muito inferior ao que vários Estados efetivamente pagaram de 2010 a 2015.

No entanto, a queda no serviço da dívida não melhorou a situação fiscal da grande maioria dos Estados, pois, de 2010 a 2016, a despesa de pessoal e custeio cresceu 10 pontos percentuais da RCL dos Estados. Ou seja, o benefício recente das várias renegociações da dívida dos Estados foi perdido pelo aumento substancial da despesa com pessoal e de custeio, em especial, aumento da despesa com pessoal ativo e inativo que, de 2010 a 2016, cresceu 6,5 pontos percentuais da RCL. Em 2017, mais da metade dos Estados gastaram com pessoal acima do limite de 60% da RCL estabelecido pela LRF.

O problema da grande maioria dos Estados não é o peso da dívida, mas sim o forte crescimento da despesa com pessoal que, em alguns estados, já supera 70% da RCL. Qualquer tentativa de socorro aos estados, sem o controle da despesa com pessoal, agravará ainda mais a situação fiscal. A única solução para os estados passa, necessariamente, pela reforma da previdência, maior controle nas contratações, mudanças no plano de carreira de servidores, maior controle do orçamento dos poderes independentes, redução das vinculações e redução da indexação das despesas.

Mansueto Almeida é secretário do Tesouro Nacional.