Por Claudia Safatle – Valor Econômico

04/06/2019 – 05:00

O projeto do presidente do BNDES, Joaquim Levy, é tornar o banco independente do “funding” do governo nos próximos dez anos. “Eu quero emitir LCA [Letras de Crédito Agrícola], ter acesso aos recursos do FGTS e quero poder emitir debêntures para financiar investimentos.”

Se há no governo quem se incomode e faça críticas à suposta lentidão das ações do BNDES para, de imediato, ajudar no financiamento do desequilíbrio fiscal, o foco de Levy está no respeito à lei e na construção de um novo banco de desenvolvimento. Ele advoga uma instituição que vai se “desmamar” dos recursos do Tesouro Nacional e ser menos dependente do dinheiro do Fundo de Amparo ao Trabalhador, o FAT, que está deficitário e recorrentemente pedindo devolução de dinheiro ao banco.

O BNDES vai trabalhar com o mercado e apoiar os projetos de investimentos em infraestrutura, saneamento, pequenas e médias empresas e inovação.

Para isso, porém, vai precisar de uma sólida estrutura de capital para poder acessar o mercado de capitais interno e externo e, inclusive, dar garantias a projetos de infraestrutura tocados pelo setor privado.

O Tesouro espera receber, neste ano, R$ 126 bilhões de antecipação da devolução de empréstimos ao BNDES para fechar as contas com o déficit na meta. O banco devolveu recentemente R$ 30 bilhões e, no fim do mês, vai revisitar seu balanço para ver se tem condições de devolver mais uma parte. Foi Levy, aliás, que, quando ministro da Fazenda, no governo de Dilma Rousseff, começou a devolução antecipada de parte dos recursos emprestados pelo Tesouro ao BNDES.

Um dos cuidados necessários a essa operação, regulada por lei, é estar seguro de que o dinheiro que será objeto de devolução não será usado pelo BNDES por absoluta falta de demanda por projetos de investimentos. “Devolver o dinheiro para que a União cumpra a regra de ouro não é ‘despedalar'”, justificou um técnico do banco, especializado em finanças públicas. Ou seja, não é função do BNDES socorrer o Tesouro Nacional em casos de estrangulamento fiscal. Ao contrário, qualquer iniciativa dessa natureza deve obedecer à ótica do interesse do banco, diz o TCU (Tribunal de Contas da União).

“O papel do BNDES é o de indutor [do investimento e, portanto, do crescimento]”, define Levy. “Ele deve ser uma ferramenta para ajudar no financiamento e no planejamento da economia”, completa. Caberá ao acionista (Tesouro Nacional) e ao Conselho de Administração definir qual o tamanho da capitalização possível do BNDES para que possa exercer as funções citadas acima. O Conselho de Administração, que será presidido pelo economista Gustavo Franco, deve tomar posse nesta sexta feira.

O banco perdeu a vantagem comparativa que tinha no passado, quando operava com crédito subsidiado. Hoje o estoque de financiamentos em TJLP é mais caro do que a taxa Selic. Se há três ou quatro anos a relação era de TJLP de 7% ao ano para Selic de 14% ao ano, hoje ela é de 7% para 6,5%, respectivamente. Resultado: os grandes devedores querem pré-pagar os seus financiamentos e trocá-los por debêntures incentivadas. E não há procura por novas operações, seja porque estão mais caras do que a Selic, seja por pouquíssimas intenções de investimento.

O BNDES está em uma encruzilhada. Os cinco meses de governo foram dedicados à negociação com os Estados para privatizar as companhias de saneamento básico. A medida provisória do saneamento caducou e o governo deverá mandar um projeto de lei para o Congresso daqui a 60 ou 90 dias, sem prazo para aprovação.

Praticamente pronto para concluir as discussões com sete Estados, não foi possível assinar contratos de concessão das empresas de saneamento. Isso por que os governos estaduais esperam ansiosamente receber algum benefício do governo federal, no âmbito do plano de reestruturação das finanças dos Estados, que os livre de ter que privatizar qualquer coisa.

Com uma carteira bem maior do que a da Caixa em ações da Petrobras, o BNDES deixou para o outro banco federal a primazia de ir mercado vender esses papéis. A urgência da Caixa é bem maior do que a do BNDES por necessidade de balanço. Além disso, o corpo técnico do BNDES  recomendou que não sejam alienadas já as ações da Petrobras. A recomendação técnica foi de esperar até setembro por um melhor momento do mercado para colocar essas ações à venda.

Há dois meses o BNDES espera a aprovação de uma diretoria para a BNDESPar, o braço de participações acionárias do banco de desenvolvimento. O objetivo, nesse caso, é criar uma governança especial para a BNDESPar, que detém um estoque de R$ 114 bilhões em ações das mais diversas empresas, mas falta aprovação do Ministério da Economia. Há quem, no governo, defenda simplesmente extinguir esse braço do banco. Assim como há quem não veja função para o BNDES.

Agora o banco de desenvolvimento está concluindo a venda de ações da Totvs, das debêntures da Vale (que dependem de decisão do TCU) e da parte da União no IRB. Acabou de assinar, também, um acordo com o governo do Rio Grande do Sul para vender a empresa de energia (CEEE).

Uma coisa é certa. Quem conhece Joaquim Levy sabe que ele não coloca seu CPF em decisões precipitadas e que não estejam integralmente amparadas por lei. Dilma Rousseff e Lula também o criticavam por ser assim.