Por Fabio Graner, Ana Krüger, Lu Aiko Otta, Carla Araújo e Fabio Murakawa – Valor Econômico

25/07/2019 – 05:00

O governo anunciou ontem a liberação de saques de FGTS de R$ 500 por contas ativas e inativas, aumento na remuneração do fundo e surpreendeu com a possibilidade de, com a nova opção de saque anual, os trabalhadores anteciparem recursos via operações de crédito. No anúncio feito ontem no Palácio do Planalto, a estimativa “conservadora” apresentada pela área econômica apontava para um mercado de recebíveis que em cerca de três a quatro anos será da ordem de R$ 100 bilhões.

A nova modalidade se assemelha a da antecipação de restituição do Imposto de Renda Pessoa Física, na qual os bancos oferecem crédito mediante garantia de pagamento quando a restituição for creditada pela Receita Federal. No caso dos recebíveis do FGTS, o potencial pode ser maior, dado que o saque-aniversário aponta para um horizonte de vários anos de retiradas, que poderão ser antecipadas em uma única operação.

“Será um consignado com garantia real. Teremos uso de recebíveis de saque do FGTS”, disse o secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, Adolfo Sachsida. Ele rebateu a tese de que a limitação do saque imediato (que será liberado de setembro deste ano a março de 2020) a R$ 500 ocorreu por causa das pressões do setor de construção. “Não tem lobby das construtoras [afetando decisão], é preocupação com os mais pobres”, disse. “Vi várias pessoas falando ‘só isso’ para a liberação de R$ 500. Se fosse mais, prejudicaria outras pessoas”, argumentou, lembrando que 81% das contas do FGTS têm menos de R$ 500.

A medida do crédito com recebíveis do FGTS ainda será regulamentada e só será possível na modalidade saqueaniversário, que prevê uma retirada anual de recursos das contas do fundo. O tamanho do resgate permitido anualmente vai variar conforme o saldo da conta. Serão sete faixas para saques, a primeira é de até R$ 500, com permissão para retirada de 50% e a última para contas com mais de R$ 20 mil, que poderão retirar 5% do saldo, em um sistema progressivo que torna a disponibilidade de recursos liberados maior para o cotista.

O secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues, afirmou que as mudanças elevam a previsibilidade no orçamento do trabalhador e podem ampliar a oferta de crédito mais barato, baseado em recebíveis do FGTS. Ele afirmou que esse mercado poderá superar os R$ 100 bilhões previstos.

Ele avaliou que a medida deve levar a uma redução da rotatividade no mercado de trabalho, porque desestimularia acordos de demissão para que o trabalhador saque o fundo. Também gera ganhos de renda permanente para as pessoas.

Os representantes da área econômica ressaltaram o caráter estrutural do anúncio, para desfazer a percepção de que estariam atuando para fomentar o lado da demanda na economia, por causa do ritmo lento do PIB. Apesar disso, divulgaram que a iniciativa do saque imediato de FGTS e também do PIS/Pasep, cujo impacto é menor, levará a um aumento de 0,35 ponto porcentual no PIB em 12 meses.

“É muito diferente. Não é voo de galinha. É aumento de renda permanente, se você ficar empregado. Vai receber um salário extra todo ano”, disse o ministro da Economia, Paulo Guedes, em discurso no lançamento da medida provisória no Planalto. Ele assegurou que a liberação de recursos não teve caráter emergencial, improvisada por causa do baixo crescimento. “Antes de o governo começar, os estudos já estavam sendo feitos.”

Guedes ressaltou que a medida segue uma filosofia de liberdade do indivíduo. “O que oferecemos é uma alternativa, uma oportunidade a mais de saque do FGTS”, afirmou. Hoje, disse, há 19 diferentes formas de resgate dos recursos. “Estamos criando mais uma”, afirmou, referindo-se ao saque-aniversário, que funcionará como uma espécie de décimo-quarto salário. Guedes ressaltou as diferenças entre a medida anunciada ontem e a liberação do FGTS feita no governo Michel Temer.

O presidente do Banco do Brasil, Rubem Novaes, salientou que a liberação dos recursos não é uma “panaceia, mas uma ponte que permitirá que a economia continue andando num ritmo razoável até que consigamos os efeitos das grandes reformas que virão”.

Ao assinar a medida provisória, o presidente Jair Bolsonaro recorreu a um discurso escrito quando falou da medida, reafirmando que não entende de economia. Ele assegurou que nenhum benefício existente está sendo retirado do trabalhador e destacou que os R$ 500 que serão inicialmente liberados têm potencial para ajudar famílias endividadas.

“Hoje sabemos que há 63 milhões de brasileiros com dívidas atrasadas”, disse. “O novo FGTS e a liberação do PIS/Pasep representam injeção de recursos na economia.”

O subsecretário de Política Macroeconômica do Ministério da Economia, Vladimir Kuhl Teles, informou que hoje os trabalhadores têm R$ 419 bilhões nas contas. Teles disse que, nas capitais, 3,8 milhões de famílias estão com contas em atraso, e 1,6 milhão não tem condição de pagar as dívidas atrasadas. “A única possibilidade de pagar a dívida, muitas vezes, é forçar demissão, isso é cruel. E a rentabilidade do FGTS é negativa em termos reais”, citou.

De acordo com o subsecretário, as alterações aumentam a remuneração do trabalhador no mercado formal e reduzem informalidade e rotatividade, além de reduzir o endividamento do trabalhador, o que deve gerar mais produtividade. “Esse tripé [melhor remuneração, menos endividamento e menos informalidade] é importante para melhorar o crescimento econômico”, diz.

A Caixa Econômica Federal vai montar um sistema especial de atendimento, inclusive aos fins de semana, para operacionalizar os saques. O detalhamento e o calendário das novas modalidades de saque (imediato e aniversário) ainda serão feitos.