Por Carlos Rydlewski – Valor Econômico

15/03/2019 – 05:00

Existem perto de 440 estatais no Brasil, controladas direta ou indiretamente pela União, Estados e municípios. Sob a alçada federal, elas somam 135. Este último dado coloca o país entre os líderes das nações com mais empresas sob o comando de governos centrais, em um ranking preparado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Nessa lista, os números brasileiros só perdem para os da China (com incríveis 51 mil estatais federais), Hungria (370) e Índia (270). Em contrapartida, vencem os da República Tcheca (133), Lituânia (128), Polônia (126) e Eslováquia (113).

“Pode soar irônico, mas a nossa economia é, ao menos sob esse aspecto, mais estatizante do que a de alguns ex-satélites da velha União Soviética”, diz Márcio Holland de Brito, professor da Escola de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV). “Na prática, somos uma grande ‘sociedade estatal de mercado’.” Não por acaso, portanto, a privatização tem sido um tema recorrente nas últimas décadas, sendo que, com o início do governo de Jair Bolsonaro, tornou-se premente.

Há grande expectativa em torno do assunto. Paulo Guedes, ministro da Economia, liberal de “quatro costados”, egresso da Universidade de Chicago, afirmara na campanha eleitoral que iria se desfazer de todas as estatais que encontrasse pela frente. As operações, calculou à época, poderiam render R$ 800 bilhões ao Tesouro Nacional. Tal ímpeto, porém, logo de saída foi arrefecido pelo presidente Jair Bolsonaro e pelos militares que o assessoram.

Esse “alto lá” presidencial retirou do menu das eventuais privatizações a Petrobras, o Banco do Brasil (BB) e a Caixa, ainda que suas subsidiárias entrem no bolo desestatizante. Em um evento realizado no Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES), no Rio, no mês passado, o ministro disse que acatou tais restrições com naturalidade, pois os militares têm um carinho paternal por algumas dessas companhias. “Mesmo assim, eu os adverti: ‘Olha que seus filhos fugiram de casa e estão drogados'”, contou Guedes. “Cuidado!”

O recuo tornou um tanto incerto o real efeito das anunciadas privatizações na economia do país. O bloco formado pela Petrobras, BB e Caixa, somados ao BNDES e à Eletrobras, representa mais de 93% dos ativos do patrimônio líquido das estatais federais. Para o liberalismo inicial, o novo ponto de partida passou a ser menos ambicioso.

“Deixamos para trás gestões petistas que destruíram algumas estatais, tanto pelo intervencionismo como pela corrupção”, diz a economista Elena Landau, uma espécie de porta-bandeira das privatizações (como símbolo, ela criou a hashtag #privatizatudo). “Este deveria ser o momento para provocar uma ampla discussão sobre o tema. Mas não é o que está acontecendo. A equipe econômica parece que não vai fazer muito mais do que um simples programa de desinvestimentos.”

Na prática, desde a posse, a área econômica do governo manteve a estrutura do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), montada na gestão de Michel Temer para tocar os projetos de privatizações e concessões. Em agosto de 2016, no início do mandato do ex-presidente, existiam 154 estatais federais. Hoje Márcio Holland de Brito, professor da Escola de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV). “Na prática, somos uma grande ‘sociedade estatal de mercado’” são 135 (números de dezembro de 2018). Ou seja, quase duas dezenas delas foram desestatizadas. Trata-se de uma guinada razoável se considerada a práxis imediatamente anterior. Entre 2003 e 2015, período das gestões Lula e Dilma, foram criadas 41 empresas públicas no país.

O Ministério da Economia também escalou o empresário Salim Mattar, dono da empresa de aluguel de veículos Localiza, para o comando da Secretaria-Geral de Desestatizações. Em janeiro, no Fórum Econômico Mundial, em Davos, Paulo Guedes disse que quer levantar US$ 20 bilhões com privatizações ainda neste ano.

Otimista, Mattar, que não quis conceder entrevista para esta reportagem, aumentou a aposta. Em um seminário no banco Credit Suisse, em São Paulo, afirmou que poderia “surpreender” e acrescentar entre 25% a 50% à cifra citada pelo chefe.

Os setores que reúnem maiores possibilidades de negócios, segundo uma fonte do governo, são o elétrico e o aeroportuário – os menos atraentes seriam portos e ferrovias, pois exigem aportes parrudíssimos. As subsidiárias das grandes estatais também vão entrar no menu das privatizações. E não são poucas. A Petrobras tem 36 delas; a Eletrobras, 31; o BB, 16; e a Caixa, 2. Mas os recursos obtidos com a venda dessas companhias vão para as respectivas holdings. Eles não pingam na conta do Tesouro. Essa, porém, é uma linha de atuação que está ganhando força.

A Petrobras, agora sob o comando do economista Roberto Castello Branco, outro liberal da Universidade de Chicago, anunciou na primeira semana deste mês um Plano de Resiliência, com propostas de desinvestimentos. A petrolífera informou que analisa ainda a venda de refinarias, cujo retorno é inferior à atividade de produção e exploração.

Em um país com cerca de 440 estatais há uma imensa diversidade. A Natex, criada em 2008, no município de Xapuri, terra de Chico Mendes, no Acre, fabrica preservativos com o látex da região. Nasceu sob o slogan a “camisinha da floresta”. No momento, ela está fechada por falta de demanda. O governo local estuda o que fará com a empresa. Um grupo de companhias públicas de pequeno porte também está na alça de mira de Mattar. Ele é formado por 18 firmas que dependem de recursos da União para respirar. Elas custam R$ 15 bilhões ao ano aos cofres públicos. A maior parte delas, contudo, não será sequer privatizada. Pode ser liquidada.

Essa lista inclui a Valec. Ela veio ao mundo em 2008 para explorar a infraestrutura ferroviária. Questionada sobre um eventual fechamento, a empresa informou que é vinculada ao Ministério da Infraestrutura e cumpre “o planejamento e as diretrizes governamentais”. Desse bloco, Mattar também já criticou publicamente a existência da Ceitec, que também surgiu em 2008, em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, para produzir circuitos integrados, usados na identificação de animais (o “chip do boi”), medicamentos e veículos. O ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, ao qual a empresa está vinculada, não confirmou o fechamento. A companhia não quis comentar o assunto. Ainda assim, prepara-se para lançar novos produtos e teve de correr para acalmar os parceiros, depois das críticas que recebeu do secretário de Desestatização. Entre as “dependentes” do Tesouro, porém, algumas devem ser preservadas. Esse é o caso da Embrapa.

Outra frente aberta no campo das privatizações tem como eixo o BNDES, que não quis se manifestar nesta reportagem. Hoje, o banco está sob o comando de Joaquim Levy, o ex-ministro da Fazenda no governo Dilma, também da turma de Chicago. A ideia, aqui, é conceder aos Estados (falidos, na maioria) financiamentos com garantias do governo federal. Por sua vez, os governadores adotariam medidas de ajuste e colocariam empresas públicas estaduais no cesto das desestatizações.

A estratégia não é nova. Foi usada no governo FHC. Injeta-se recursos em Estados e municípios, onde são mais necessários para bancar áreas como educação e saúde. Mas a tática é de difícil execução. Considere o caso do Rio Grande do Sul. O governador gaúcho, Eduardo Leite (PSDB), esteve no BNDES em meados de fevereiro. Disse que tem várias candidatas à privatização e planos de apurar R$ 3 bilhões até 2020 com as vendas. Mas, hoje, uma estatal gaúcha só pode ser vendida após a realização de um plebiscito. Leite observou que havia encaminhado à assembleia local uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para reverter tal situação. Ainda assim, o processo de mudança não será trivial.

Nos anos FHC, o Brasil privatizou 119 empresas. Elas geraram US$ 70,3 bilhões em receita, segundo dados do professor Armando Castelar.

E esse é o ponto. A desestatização, sob qualquer ângulo que se observe, é uma tarefa para lá de complexa. Vender pelo melhor preço e para o melhor investidor, como afirma Armando Castelar, coordenador da área de economia aplicada do Ibre/FGV, exige contratos precisos, um modelo regulatório eficaz, além de uma estrutura de fiscalização efetiva. Mesmo tecnicamente há poucos consensos nesse campo, como afirma Holland de Brito, criador do Observatório das Estatais na FGV.

Por exemplo, é melhor vender ações das estatais de maneira pulverizada ou para um só investidor? À primeira vista, a pulverização parece mais democrática, mas grandes investidores podem alterar de forma efetiva a qualidade da gestão e da governança. Outro ponto: as grandes empresas públicas não serão privatizadas, mas devem ficar “magrinhas” com a venda das subsidiárias, como já indicou Salim Mattar.

“Isso pode não ser bom”, diz Holland de Brito. “Se você vende muitas subsidiárias, pode perder uma fonte importante de receitas cruzadas e comprometer o fluxo de caixa da companhia. Nesse caso, o resultado geral vai piorar. Quem quer ver isso acontecendo com uma grande estatal, um desses símbolos nacionais?” Além do mais, é preciso evitar a concentração de poder ou, no limite, transformar monopólios estatais em monopólios privados – como pontua Delfim Netto, “os privados, em geral, são piores do que os públicos”. Foi isso o que ocorreu no México, durante o governo do presidente Carlos Salinas, em 1990. A Telmex, o conglomerado da área de telecomunicações, foi vendido para o Grupo Corso, do multimilionário Carlos Slim, um dos homens mais ricos do mundo (está em 7º lugar no ranking da “Forbes” atualmente). Criou-se à época um monopólio. Imbróglio maior ocorreu nas privatizações na Rússia após o derretimento da União Soviética. Ali, à sombra de Boris Iéltsin, formou-se a primeira geração dos chamados “oligarcas”, um grupo que passou a dominar setores estratégicos como a energia e os minérios, os bancos e a mídia. O processo foi descrito no livro “Sale of the Century” (A liquidação do século), da jornalista Chrystia Freeland. Além de gerar concentração, ele fez emergir na cena internacional (e nas listas de bilionários) nomes polêmicos como o de Boris Berezovsky e Mikhail Khodorkovsky.

E mesmo com um bom projeto nas mãos, é preciso enfrentar a burocracia e passar pelo crivo dos órgãos de controle – no caso federal, o Tribunal de Contas da União (TCU). Seguem-se as batalhas judiciais, em todas as esferas, o que inclui a trabalhista. Outro ponto crítico é a definição de um cronograma (ou, como dizem os técnicos, do “pipeline”) das privatizações. A ideia é evitar um eventual excesso de oferta de projetos no mercado em determinado momento. “É por isso que o calendário de vendas e concessões tem de conter uma certa maldade”, diz uma fonte do governo, que preferiu não se identificar. “Você não pode leiloar uma distribuidora de energia e, a seguir, uma transmissora. Os ativos não podem ser colocados à venda de forma tão colada.” É por isso que a velocidade da desestatização nem sempre é a que se almeja, mas a que se pode alcançar.

Outra barreira surge no campo da política. Uma pesquisa do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), feita em parceria com a Contatos Assessoria Política, constatou que, das 135 empresas estatais controladas pela União, pelo menos 51 delas (ou 38%) só podem ser privatizadas com a autorização do Congresso. E esse crivo, como demonstram as discussões em torno da reforma da Previdência, não vem de maneira fácil e nem de graça. Mesmo porque a discussão é polêmica. Entre os parlamentares são poucos os assuntos tão marcadamente ideológicos como o da privatização.

Em uma reunião com governadores em Brasília, por exemplo, o governo defendeu a fusão do BNDES com o Banco do Nordeste (BNB). Contando com BB e Caixa, que não quiseram se manifestar, eles somam 18 no país. Incluem desde financiadoras, como a Finep, passando por órgãos regionais, caso do BNB e do Banco da Amazônia (Basa), e chegando até os estaduais como o gaúcho Banrisul e o capixaba Banestes. Há especialistas que defendem a fusão de todas essas instituições em uma só. Paulo Guedes, nesse aspecto, foi até parcimonioso. Sugeriu uma simples fusão. Mesmo assim, a ideia despertou a ira da bancada nordestina.

Diversos parlamentares da região manifestaram-se publicamente contra a proposta.

Nos anos 90, o economista Luiz Carlos Mendonça de Barros sentiu na pele o peso da resistência que a classe política pode imprimir às desestatizações. Ex-presidente do BNDES na gestão de FHC, ele foi um dos artífices das privatizações daquela década. No período, o Brasil privatizou 119 empresas. Elas geraram US$ 70,3 bilhões em receita, segundo dados do professor Armando Castelar. Os valores, diz Castelar, fizeram da iniciativa brasileira uma das maiores em todo o mundo.

Entraram no rol de vendas desde geradoras de energia até bancos estaduais. Foram feitas concessões de rodovias e deu-se a quebra do monopólio público de telecomunicações – o que incluiu a venda da Telebras, a maior do período, que levantou R$ 22 bilhões. A desestatização da Vale fez parte desse pacote.

A mineradora era chamada de a “joia da coroa” da União. Mas, apesar do lugar-comum, ela era mesmo uma joia. Gigante, rentável, um símbolo, sua venda foi contestada em todas as frentes. As polêmicas incluíam desde o valor do negócio à presença da multinacional Anglo American entre os possíveis compradores (por ter forte presença na África do Sul, a oposição tentava ligá-la ao apartheid). Mendonça de Barros observa que, como a maioria das estatais, a Vale mantinha estreita relação com os governadores nas áreas onde atuava, oferecendo cargos e deixando-se levar pela influência dos políticos locais. À frente do BNDES, ele visitou a área de exploração de minério de ferro da empresa, em Carajás, no Pará.

Ali, foi recepcionado em uma festa abastecida com um arsenal de garrafas de champanhe da marca Krug, caríssimas. Depois, durante um passeio em que driblou a comitiva oficial, o economista observou o caos nos estoques, com peças diferentes para o mesmo fim, compradas em processos licitatórios intricados. “Eu me assustei”, diz. “Havia muita coisa errada ali.”

Foi aí que ele partiu para a privatização da mineradora. E o processo só pode ser definido por uma palavra: guerra. O líder da tropa oponente no front político, diz Mendonça de Barros, era o ex-presidente José Sarney, à época senador pelo Amapá. Ele não quis comentar o episódio. “O nível das discussões era tão ruim que, uma vez, fui inquirido no Senado”, conta Mendonça de Barros. “De repente, me diz um senador: ‘Tenho informações seguras de que a companhia vale US$ 1 trilhão’. Eu respondi: ‘Mas, senador, como é possível se a maior empresa do mundo [a Exxon, na ocasião] vale US$ 200 milhões?’. Ele não pôde me contestar. Aquilo foi uma coisa tão maluca que acabou me ajudando. Não só não fui massacrado na audiência como ainda saí por cima, vencendo o debate”.

No fim das contas – e muita briga -, a Vale foi privatizada em 6 maio de 1997.

Nesse dia, quem passou pelas imediações da antiga Bolsa do Rio, na praça XV, onde ocorreu o leilão, assistiu a uma batalha campal envolvendo milhares de pessoas. Pessoas da esquerda brasileira até hoje tratam a venda da empresa como um crime contra a nação.

É verdade que os tempos são outros, mas é possível que a estrutura existente no país para embalar desestatizações tenha piorado nos últimos anos. Para privatizar bem, observa o jurista Carlos Ari Sundfeld, não basta querer – é preciso remover camadas espessas de entulho que levam à instabilidade jurídica em um punhado de setores. Um deles é o saneamento.

O BNDES tem quase duas dezenas de projetos em análise desse segmento, no qual sobejam estatísticas alarmantes. De acordo com dados divulgados no ano passado pelo Instituto Trata Brasil, quase metade da população brasileira não tem acesso a coleta de esgoto e pelo menos 35 milhões não são abastecidos com água potável. Entre 2015 e 2016, houve uma redução de R$ 1,75 bilhão dos aportes do governo federal nesse setor.

À primeira vista, portanto, o segmento reúne condições favoráveis de desestatização (serviços ruins, infraestrutura ineficaz, além de baixa capacidade de investimento do Estado). Mas é só à primeira vista. A área se saneamento não tem um marco regulatório. Temer editou – e reeditou – uma medida provisória (MP) sobre o tema, mas ela segue perambulando entre os parlamentares.

“Até agora, ninguém sabe o que o novo governo pensa sobre a proposta”, diz Sundfeld, professor de direito da FGV-SP. A grande questão a ser resolvida, frisa o jurista, é se os municípios podem continuar transferindo para os Estados o direito de prestar serviços de saneamento. A MP tem um caráter pró-mercado. Na prática, ela inviabiliza a outorga do serviço dos municípios para os Estados sem licitação. “Mas nem se sabe se, transformada em lei, a medida vai vigorar”, diz ele. “É discutível, por exemplo, se uma lei federal pode impedir a articulação entre governos estaduais e municipais. O fato é que o assunto desperta grande polêmica e traz muita insegurança.”

Setores com mais possibilidades de negócios são o elétrico e o aeroportuário; os menos atraentes, portos e ferrovias Sundfeld, porém, observa que essa é apenas uma amostra do vazio regulatório vigente no país. “O grande dilema nacional é que temos de convencer os poderes públicos e o mundo político a fazer reformas estruturantes. Não me refiro à Previdência, aos impostos ou à questão fiscal”, aponta. “Precisamos de uma reforma do Estado, com a aprovação de uma lei da liberdade econômica, além de legislações setoriais específicas para áreas como o saneamento, as telecomunicações e os portos.” O jurista diz acreditar ainda que, sem essas mudanças, as privatizações podem até avançar, mas em ritmo lento e com baixa eficácia. “O problema é que temos pressa e precisamos de uma quantidade enorme de investimentos em um curto prazo de tempo.” Por outro lado, observam analistas, um ambiente regulatório estável é uma das formas mais eficientes que os Estados modernos dispõem para obter capital e desenvolver mercados.

Nesse bloco de bases cambaleantes também estão as agências regulatórias. Esses órgãos foram criados para equilibrar a relação entre o Estado, os investidores e os cidadãos. Elas deveriam funcionar como agentes fiscalizadores, garantindo que a prestação de serviços fosse feita com qualidade e a um preço justo. Por tudo isso, têm de atuar de forma independente e autônoma. Mas um estudo do economista Daniel De Bonis, especializado em administração pública, mostrou que 56% das vagas de alto escalão das dez agências existentes no país foram ocupadas por pessoas ligadas a partidos políticos. Isso ocorreu entre 2011 e 2014, mas se trata de uma prática recorrente.

Esse número, observe-se, superou as indicações político-partidárias nos dois governos Lula (2003-2010) e representou o dobro das registradas no período FHC (1995-2002), quando esse modelo de agências regulatórias foi implantado no Brasil.

Com verbas contingenciadas, elas também viram evaporar a possibilidade de autonomia. “Esse debate foi jogado às traças”, diz Sérgio Lazzarini, professor do Insper, em São Paulo, e autor do livro “Capitalismo de Laços”. “Existe um projeto de lei tramitando no Congresso sobre o tema, mas ele foi desvirtuado. Sem agências fortes, não se pode pensar em privatizações sólidas.”

Em alguns eventos, Paulo Guedes tem exposto seu diagnóstico sobre a economia nacional. Para ele, desde o fim do governo Geisel (1974-1979) o país vive uma “tragédia em vários atos”. Em todas as “cenas do crime”, porém, o vilão foi o mesmo.

Trata-se do “descontrole dos gastos públicos” e “nenhum governo foi capaz de estancar essa sangria em 40 anos”. “O pior é que se gastou muito e mal”, diz o ministro. Na lista de ralos espúrios das despesas nacionais, ele inclui a Previdência, “uma fábrica de desigualdades”; os juros da dívida, um dispêndio “estéril”, que “consome o equivalente a um Plano Marshall por ano [que reconstruiu a Europa após a Segunda Guerra]”; e a máquina pública, que abriga as estatais.

“E essas empresas estão em ‘corner’, às vezes, ninhos de corrupção e empreguismo, não investem e não deixam ninguém investir, pois, em muitos casos, detêm o monopólio sobre suas áreas de atuação.” Daí, a Fazenda, a premência das privatizações. Mas, como se viu até aqui, não vai ser fácil transformar a análise em ação. É preciso fazer ou refazer toda uma base estrutural de regras e procedimentos para que o processo ocorra de maneira transparente, democrática e eficaz.

Parafraseando Guedes, nos últimos 40 anos, essa também não tem sido uma tarefa simples.